7 a cada 10 municípios do país não atingem meta de controle de diabetes e hipertensão
Sete em cada dez municípios brasileiros terminaram 2023 sem atingir o mínimo de controle de seus diabéticos e hipertensos, que é dosar a hemoglobina glicada uma vez por ano e aferir a pressão arterial a cada seis meses de 50% dos pacientes com essas condições.
Dados do último quadrimestre de 2023 do Previne Brasil, programa federal que vincula parte dos recursos da atenção primária ao cumprimento de metas assistenciais, mostram que essas doenças são hoje as com piores desempenho de uma lista de sete indicadores.
Além delas, fazem parte dessa relação a oferta de seis consultas de pré-natal para 60% das gestantes, de atendimento odontológico e testes de HIV e sífilis, além de exame preventivo do câncer uterino para 40% das mulheres entre 25 a 64 anos, e cobertura vacinal (poliomielite e pentavalente) para 95% das crianças.
Criado no primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro (PL), os indicadores começaram a ser mensurados em 2020, mas, devido à pandemia de Covid-19, só em 2022 municípios que descumprem as metas passaram a sofrer descontos de verbas federais da saúde.
Análise da plataforma ImpulsoGov, organização sem fins lucrativos que atua fomentando uso de dados e tecnologia na gestão pública, mostra que houve melhora no último ano, mas a maioria dos municípios ainda patina no cumprimento das metas.
No primeiro quadrimestre de 2022, a taxa de municípios que não tinham o controle mínimo dos seus diabéticos e hipertensos era de 97% e 95%, respectivamente. No fim daquele ano, passou para 83% e 84%, e, em 2023, fechou em 74,8% e 72,8%.
O cenário é atribuído a múltiplos fatores. Desde a alta dessas doenças crônicas causada pelo envelhecimento populacional, aliada à falta de profissionais na atenção primária, até problemas de metodologia do sistema de informação do Ministério da Saúde.
Segundo Juliana Ramalho, gerente de projetos da ImpulsoGov, o primeiro entrave no cumprimento das metas é o grande número de diabéticos e hipertensos. “As doenças crônicas crescem a cada ano no país, e a população a ser acompanhada aumenta também.”
Dados do Observatório da Atenção Primária mostram, por exemplo, que a prevalência de diabetes entre a população adulta do município de São Paulo passou de 8,5% para 12,1% entre 2020 e 2023. São 1.083.135 diagnosticadas com a doença.
Ao mesmo tempo, muitas equipes de atenção primária à saúde estão desfalcadas, o que traz impactos negativos para assistência e para o registro de dados nos sistemas de informação.
“Se eu não tenho médico e enfermeiro na equipe, eu já perco [pontos] porque essas condições crônicas têm critérios [do Previne Brasil] que só esses profissionais podem preencher.”
Ela afirma que o não cumprimento de metas municípios também está ligado a problemas processuais. “Talvez essa população esteja sendo acompanhada, mas o sistema de informação não está sendo alimentado [com os dados da assistência prestada] como deveria”.
Por exemplo, se chega uma pessoa com hipertensão na unidade de saúde, a prioridade do profissional será aferir a pressão arterial, e não necessariamente preencher o sistema de informações com dados, nos campos exatos que o Ministério da Saúde pede.
Para Mauro Junqueira, secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), os dados do Previne Brasil não condizem com a realidade.
“Para hipertensão é uma consulta médica e uma aferição a cada seis meses. A gente não faz? A gente faz muito e todo dia, mas o sistema do ministério é frágil para isso, a gente está discutindo para reformular a metodologia de cálculo.”
Uma das questões é que, para o cálculo de metas do programa, é considerada toda a população brasileira sem descontar os 25% que têm plano de saúde e, provavelmente, não usam o SUS para acompanhamento de condições crônicas.
“Esses 50 milhões [de usuários de planos] usam o SUS para urgência e emergência, alta complexidade, para tomar vacinas, mas não usam diretamente a unidade básica de saúde.”
Junqueira afirma, contudo, que o controle dessa alta carga de doenças crônicas também enfrenta obstáculos assistenciais provocados pela rotatividade muito grande nas equipes de saúde e da presença de médicos recém-formados na UBSs. “Tudo isso impacta na atenção básica lá na ponta.”
Segundo ele, a atual equipe do Ministério da Saúde, especialmente a Secretaria de Informação e Saúde Digital, está trabalhando para que os dados alimentados na unidade de saúde se transformem em informações e cheguem às equipes em tempo real.
“Não dá para gente esperar um ano, para o ministério processar as bases de dados e um ano depois falar: ‘em janeiro do ano passado, você deixou de fazer isso aqui. Tenho que ter essa informação real na mão para conseguir mapear e atuar rapidamente.”
Procurado, o Ministério da Saúde informou que está em discussão uma nova proposta de financiamento da atenção primária, que envolve, inclusive, mudanças no programa Previne Brasil, mas que não poderia adiantar nada neste momento.
A Folha apurou que a proposta prevê, entre outras coisas, aumento das equipes de saúde da família, mudança da metodologia dos repasses de recursos aos municípios e inclusão de 15 novos indicadores do Previne Brasil, entre eles controle das arboviroses e satisfação do usuário do SUS.
A mudança tem esbarrado na falta de verbas orçamentárias por parte do ministério e na resistência de cerca de 530 municípios que perderiam recursos, em torno de R$ 200 milhões, com a nova metodologia de cálculo.
Até o momento, está acertado que os municípios terão um ano para se adaptar às novas regras e que os novos indicadores do Previne Brasil só passarão a valer quando o sistema de informação do ministério tiver condições de fornecer dados aos municípios em tempo real.
*Bahia Notícias
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