Após críticas, governo Lula articula limitar verba para fundo do ensino médio a R$ 6 bi em 2023
Membros do governo reconhecem a conveniência de usar o espaço disponível de R$ 10 bilhões dentro da meta fiscal de 2023 para antecipar um gasto que, mantido em 2024, colocaria pressão sobre o alvo de déficit zero fixado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda). Mas a trava seria um compromisso de que não haverá interferência na despesa dos anos seguintes.
Os aportes de 2025 e 2026, também na casa dos R$ 7 bilhões em cada ano, constarão nos respectivos Orçamentos, de acordo com interlocutores do governo. A soma alcançaria o limite de até R$ 20 bilhões previsto na MP (medida provisória) assinada por Lula.
O texto, antecipado pela Folha de S.Paulo, diz que a integralização dos valores pode ser feita com recursos do Orçamento, ações de empresas estatais federais ou empresas nas quais a União tenha participação minoritária.
A reportagem apurou, no entanto, que o Executivo não tem a intenção de usar ações de empresas para integralizar cotas no fundo de apoio aos alunos do ensino médio. O expediente já foi usado no passado para abastecer o fundo garantidor do Fies, gerando problemas posteriores devido à baixa liquidez de alguns desses ativos.
Segundo um técnico, não há “nenhuma expectativa” dentro do governo de fazer o aporte com ações, justamente pelas características do programa. Um depósito em poupanças direcionadas a estudantes de baixa renda demandará liquidez de recursos.
A avaliação nos bastidores é que o dispositivo que autoriza o uso das ações de empresas foi incluído por “questão de praxe”, uma vez que ele é comum em leis que tratam da criação de fundos de governo. Dado o ruído gerado pela iniciativa, membros do governo não veem prejuízos na exclusão desse dispositivo, caso o Congresso julgue mais adequado.
A edição da MP gerou desconforto entre técnicos da área econômica, para quem o formato pode ter impactos negativos na gestão fiscal. A visão é compartilhada por agentes do mercado, que temem uma fragilização de regras —inclusive do novo arcabouço fiscal, recém-aprovado e que começará a vigorar no ano que vem.
O ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners, vê uma série de pontos questionáveis na proposta. “Acho que, infelizmente, tem aqui um cheiro do uso da contabilidade criativa, e preocupa o fato de se estar criando algo que possa estar em desacordo com a Constituição”, afirma.
O primeiro problema, segundo ele, é a tentativa de tirar uma política pública do alcance do novo arcabouço fiscal, aprovado este ano e que começará a valer a partir de 2024. Embora não haja exclusão formal da ação, a antecipação de uma parte do aporte para o ano de 2023 tem efeito semelhante na prática.
“Há uma clara intenção de postergar receitas que poderiam ocorrer este ano para o ano que vem e antecipar despesas. É o subterfúgio da pedalada”, critica Kawall. “Se quero melhorar hoje, jogo pra amanhã. Se quero melhorar amanhã, jogo para hoje. É girar o pedal da bicicleta para trás em vez de para frente, mas não é uma boa coisa.”
Outro alvo de críticas é a possibilidade de fazer aportes no fundo por meio de ações de empresas, operação que sequer seria registrada no Orçamento. Kawall questiona se a manobra poderia se enquadrar na vedação do artigo 167 da Constituição Federal, que proíbe o início de programas ou projetos fora da Lei Orçamentária.
“Como vai fazer um programa que é por meio de um fundo, com aporte de ações, e não aparece na despesa? Deixo registrada essa dúvida”, diz.
Técnicos da área econômica também manifestam discordâncias em relação ao texto, diante da avaliação de que o Orçamento deve registrar todas as receitas e despesas, para evitar uma erosão das regras fiscais.
Segundo relatos colhidos pela reportagem, a criação do fundo privado foi discutida inicialmente pela Casa Civil e pelo Ministério da Fazenda. Posteriormente, o MEC (Ministério da Educação) ingressou nos debates desse ponto específico. O Ministério do Planejamento e Orçamento foi ouvido apenas informalmente, de acordo com pessoas a par das tratativas.
O principal argumento para optar pelo modelo de fundo, segundo interlocutores, é o princípio do programa de oferecer uma poupança aos alunos de baixa renda —ainda que haja alguma periodicidade de saques. O modelo seria diferente de um benefício social, pago mensalmente e cuja folha poderia ser rodada dentro do próprio Orçamento.
Manter o programa sob a gestão direta do governo poderia ser visto como um precedente de descentralização de benefícios sociais, o que essa ala vê como contraproducente após o esforço feito pela unificação de programas no Bolsa Família.
Na visão do governo, o cenário ideal é constituir o fundo ainda em 2023, para que o próximo ano letivo já comece com a garantia do incentivo aos alunos.
*Bahia Notícias
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